
Por vezes, existe a tentação de pensar que o trabalho de um perito avaliador de imóveis certificado é um pouco como molhar um dedo, colocá-lo ao ar e ver de que lado vem o vento. Foi o que me aconteceu esta semana, quando um potencial cliente me escreveu o seguinte, após receber a minha proposta: “Solicitamos, se possível, um relatório de avaliação simples e sem detalhes, apenas com a indicação do valor para uma possível futura venda.”
Este artigo, ocasionalmente muito extenso, tem como objetivo mostrar um pouco como é o nosso trabalho!
A avaliação imobiliária é uma atividade técnico-profissional regulamentada, que visa estimar, de forma fundamentada e imparcial, o valor de um determinado ativo imobiliário, num dado momento, para um fim específico. Esta atividade é regida, a nível internacional, por um conjunto de normas de boas práticas, destacando-se:
-As IVS, International Valuation Standards, emitidas pelo International Valuation Standards Council (IVSC);
-As EVS, European Valuation Standards, publicadas pelo The European Group of Valuers’ Associations (TEGoVA).
Estas normas não apenas uniformizam procedimentos, como também asseguram que o processo de avaliação decorre segundo critérios de transparência, coerência, imparcialidade e rastreabilidade. A seguir, descreve-se de forma detalhada cada uma das principais etapas de um processo de avaliação de imóveis em conformidade com os referidos referenciais.
- Verificação de Conflitos de Interesse
Antes de aceitar um mandato de avaliação, o perito avaliador tem a responsabilidade de analisar a existência de quaisquer circunstâncias que possam comprometer a sua independência e objetividade. Esta etapa, frequentemente desvalorizada, é uma salvaguarda essencial da integridade do processo avaliativo.
A verificação é geralmente efetuada com recurso a uma “checklist” interna, onde se analisam, entre outros:
-Relações familiares, comerciais ou profissionais entre o perito avaliador e o cliente;
-Participações diretas ou indiretas do perito (ou seus familiares próximos) nos ativos a avaliar;
-Situações em que o imóvel já tenha sido avaliado anteriormente pelo mesmo profissional, para diferentes clientes, com objetivos distintos.
Quando identificado um conflito material, o avaliador deve declinar o trabalho ou, em casos excecionais, atuar mediante declaração expressa de imparcialidade e consentimento informado das partes envolvidas, conforme previsto nas IVS.
- Definição dos termos de contratação
Esta etapa consiste na estruturação contratual e técnica da avaliação.
O documento deve ser acordado entre as partes antes de qualquer trabalho efetivo de avaliação. Trata-se de um instrumento contratual que define, com exatidão, os contornos da prestação de serviços, incluindo:
-A identificação do cliente e do perito avaliador;
-A descrição e localização dos bens imóveis a avaliar;
-A data de referência da avaliação, que poderá ou não coincidir com a data de inspeção;
-O propósito da avaliação (por exemplo: apoio à decisão de compra, financiamento, reporte financeiro, partilhas, etc.);
-As bases de valor aplicáveis (valor de mercado, valor de investimento, justo valor, …);
-Os pressupostos gerais e especiais que fundamentam a avaliação (imóvel livre de ónus, pronto a habitar, ou sujeito a restrições de uso);
-Limitações ao uso do relatório e forma de entrega dos resultados.
Este documento deve ser formalizado por escrito, podendo revestir a forma de contrato ou termo de aceitação. Sem este documento, a avaliação carece de legitimidade formal e técnica.
- Articulação entre Propósito da Avaliação e Base de Valor
Um dos elementos mais críticos na definição do documento anterior é a clara identificação do propósito da avaliação (Purpose of Valuation), pois este determina, em larga medida, a base de valor a aplicar.
A base de valor corresponde ao conjunto de pressupostos sob os quais será estimado o valor do ativo. Diferentes objetivos justificam diferentes perspetivas de valor.
Exemplos de articulação:
-Venda voluntária de habitação própria permanente
Propósito: Apoio à fixação do preço de colocação no mercado;
Base de valor: Valor de Mercado, conforme definido nas IVS.
-Negociação de uma renda habitacional
Propósito: Estabelecimento do valor contratual justo;
Base de valor: Renda de Mercado.
– Compra de um edifício para rentabilização com yield desejada de 8%
Propósito: Apoio à decisão de investimento com base em critérios financeiros;
Base de valor: Valor de Investimento (Investment Value ou Worth), que pode divergir significativamente do valor de mercado, por refletir o retorno esperado do investidor.
- Inspeção e Recolha de Informação Técnica e de Mercado
Após a aceitação formal dos Termos de Contratação, o perito está em condições de iniciar a fase de inspeção física do imóvel, seguida da recolha de documentação técnica e legal, nomeadamente:
-Certidão predial;
-Caderneta predial;
-Licença de utilização;
-Plantas, alçados e cortes;
-Contratos de arrendamento, se aplicável;
-Registos de encargos, servidões ou ónus reais.
Simultaneamente, deverá recolher dados de mercado comparáveis, fundamentais para a justificação do valor, quando a metodologia de avaliação se basear em comparação, capitalização de rendas ou métodos híbridos.
- Elaboração do Relatório de Avaliação
O relatório final deve seguir uma estrutura coerente e auditável, contendo os seguintes elementos essenciais:
-Descrição do imóvel e sua envolvente;
-Fundamentação do método de avaliação escolhido;
-Dados comparativos, fontes e ajustamentos efetuados;
-Justificação dos pressupostos utilizados;
-Demonstrações de cálculo e estimativa de valor;
-Declarações de conformidade com as normas IVS e/ou EVS.
- Relatório Provisório (Draft): Uma Boa Prática Profissional
Antes da emissão do relatório final, é recomendável o envio ao cliente de uma versão provisória (relatório draft), com o objetivo de:
-Validar factos, pressupostos ou documentação técnica;
-Esclarecer aspetos omissos ou contraditórios;
-Garantir que o avaliador dispõe de toda a informação relevante.
-Este relatório deve incluir um aviso expresso de que:
É provisório e sujeito a revisão;
-Não representa uma opinião final de valor;
-Não deve ser divulgado, publicado ou utilizado para fins formais.
Concluindo, a avaliação de imóveis, quando conduzida por um perito avaliador de imóveis certificado, com base nas IVS e EVS, é um processo metódico, estruturado e tecnicamente exigente. A clareza na definição do propósito, a seleção adequada da base de valor e o respeito pelas boas práticas normativas são condições indispensáveis para garantir a qualidade, fiabilidade e utilidade do trabalho desenvolvido.