Como avaliar quinhões hereditários: critérios técnicos, enquadramento normativo e lógica económica da desvalorização

A avaliação de quinhões hereditários coloca desafios substantivos ao perito avaliador de imóveis certificado pela CMVM, dado que o objeto de análise não é um imóvel pleno, mas um interesse fracionado, juridicamente complexo, de liquidez limitada e dependente da interação entre vários titulares. Ao contrário do que muitas vezes se assume, o valor económico de um quinhão não é equivalente à proporção matemática do valor total do imóvel.
As normas europeias de avaliação, designadamente as European Valuation Standards (EVS), demonstram que posições hereditárias ou de copropriedade tendem a ter um valor intrinsecamente distinto, devido às limitações que impõem em termos de controlo, decisão e disponibilidade.

Este enquadramento é essencial para garantir que a avaliação de quinhões hereditários reflete o modo como estes direitos são efetivamente percecionados no mercado.

 

Avaliacao de quinhoes hereditarios

1. A natureza jurídica do quinhão hereditário

A avaliação de quinhões hereditários exige uma leitura simultaneamente jurídica e económica da posição do herdeiro. O quinhão hereditário não corresponde a um bem concreto, identificável fisicamente, mas a um direito global sobre a totalidade da herança até ao momento da partilha. O titular não dispõe de uso exclusivo sobre parte alguma do imóvel, não pode alienar autonomamente qualquer fração física, não controla decisões essenciais relacionadas com valorização, venda ou gestão, e encontra-se condicionado pela atuação dos demais herdeiros.

Por estas razões estruturais, um quinhão não é economicamente equivalente a uma parte proporcional do imóvel subjacente. A ausência de domínio e a impossibilidade de uso autónomo reduzem a sua atratividade para qualquer adquirente, o que se reflete inevitavelmente no valor.

2. Enquadramento normativo europeu: o contributo das EVS

As European Valuation Standards, no capítulo relativo a múltiplos interesses em propriedade imobiliária, reconhecem que o valor de mercado de um interesse fracionado tende a ser inferior ao valor proporcional do imóvel. Esta orientação resulta de fatores amplamente observados na prática: limitações à livre alienação, dificuldades de governação e tomada de decisão, inexistência de controlo efetivo, dependência da conduta dos restantes titulares e possibilidade de intervenção judicial em caso de desencontro entre herdeiros.

As EVS fornecem exemplos em que se demonstra que um interesse ideal num imóvel já detido por outros não tem liquidez no mercado comum, e que o valor depende menos da proporção numérica da quota e mais das condições práticas de exercício do direito.

Sem esta base normativa europeia, a avaliação de quinhões hereditários ficaria desligada dos princípios de mercado que orientam a valorização de interesses fracionados.

As normas podem ser consultadas diretamente no sítio oficial da TEGoVA:
https://tegova.org.

3. Por que razão o mercado desvaloriza quinhões hereditários

A avaliação de quinhões hereditários deve incorporar, portanto, a forma como o mercado reage às limitações associadas à indivisão e à ausência de controlo.

A desvalorização dos quinhões hereditários decorre de fatores económicos e jurídicos que afetam diretamente o comportamento dos compradores e o risco associado à posição adquirida.

3.1. Falta de controlo

O adquirente de um quinhão hereditário não obtém poder decisório sobre o destino ou a utilização do imóvel. Qualquer decisão relevante exige acordo dos restantes coproprietários, o que representa um fator de risco comportamental e operacional.

3.2. Indivisibilidade do bem

O imóvel não pode ser fruído autonomamente por quem adquire o quinhão. Não existe possibilidade direta de utilização, arrendamento ou exploração económica sem consenso entre herdeiros, o que limita de forma objetiva o interesse económico desse direito.

3.3. Liquidez extremamente reduzida

As quotas hereditárias raramente são comercializadas no mercado aberto, e quando chegam a processo judicial é frequente não surgirem proponentes. Isto demonstra a reduzida procura e o risco que o mercado atribui a este tipo de direitos.

3.4. Incerteza e risco jurídico

O comprador de um quinhão não sabe quando nem em que termos sairá da indivisão. Litígios, divergências entre herdeiros e processos morosos são riscos reais que afetam significativamente a formação do valor.

3.5. Complexidade da relação entre herdeiros

A avaliação deve considerar que o valor não depende apenas do imóvel, mas também da dinâmica entre os titulares: alinhamento, cooperação, litígio, resistência à alienação ou incerteza sobre a partilha.

4. Critérios técnicos para a avaliação de quinhões hereditários

A avaliação de quinhões hereditários exige um processo técnico estruturado, em que o perito:

  • Parte do valor do imóvel pleno, determinado de forma autónoma e independente;
  • Identifica a natureza do interesse a avaliar, distinguindo o direito ideal da propriedade plena;
  • Analisa as limitações práticas ao uso, controlo e alienação do direito;
  • Avalia a posição relativa do titular no conjunto dos coproprietários, incluindo riscos de litígio ou dependência negocial;
  • Aplica ajustamentos fundamentados na evidência normativa e no comportamento real do mercado.

O valor final resulta da conjugação destes fatores, nunca da simples proporção numérica do direito ideal relativamente ao valor total do imóvel. Esta é a essência técnica da avaliação de quinhões hereditários.

5. Fundamentação normativa e prática

As EVS são claras: interesses fracionados não se transacionam como equivalentes proporcionais da propriedade plena. A prática de mercado confirma esta orientação: mediadoras evitam comercializar estes direitos, investidores não os procuram e os tribunais enfrentam frequentemente vendas desertas.

Por isso, o avaliador deve aplicar ajustamentos que traduzam as limitações reais, fundamentando-os de forma transparente e tecnicamente alinhada com as normas europeias.

Para aprofundar temas relacionados com abordagens de avaliação, poderá consultar também o artigo:
Como reduzir o risco nas avaliações.

6. Síntese da lógica económica

Do ponto de vista económico, a avaliação de quinhões hereditários depende sobretudo da capacidade do direito gerar utilidade real para o titular.

O valor de um quinhão hereditário depende da capacidade efetiva de transformar esse direito em benefício económico uso, rendimento ou alienação. Essa capacidade encontra-se limitada pela ausência de domínio, pela dependência de terceiros, pela liquidez reduzida, pela incerteza jurídica e pela fricção negocial. Assim, o mercado atribui naturalmente um valor ajustado inferior ao da propriedade plena.

7. Conclusão

A avaliação de quinhões hereditários é, assim, uma tarefa que exige rigor metodológico e total alinhamento com as normas europeias de avaliação.

Avaliar quinhões hereditários é avaliar direitos imperfeitos, com limitações estruturais, jurídicas e económicas que não se verificam na propriedade plena. As normas europeias de avaliação fornecem o enquadramento adequado para compreender que estes direitos têm um valor próprio, substancialmente distinto e dependente das condições práticas da sua exercibilidade.

Uma avaliação rigorosa exige identificação clara do direito, análise das restrições ao uso e alienação, consideração do risco e da liquidez, fundamentação técnica dos ajustamentos aplicados e documentação transparente de todo o raciocínio. Este conjunto de elementos assegura que o valor atribuído reflete a realidade do mercado e as boas práticas profissionais.

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