“A avaliação imobiliária concorre para que a sociedade seja mais justa e transparente” | Entrevista publicada no Brainsre.News Portugal, 26 outubro de 2022

Membro da Royal Institution of Chartered Surveyors (RICS), como RICS Registered Valuer, membro da The European Group of Valuers’ Associations (TEGoVA) como Recognised European Valuer (REV), inscrito na CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, João Fonseca é Perito avaliador de imóveis e um verdadeiro apaixonado pelo universo das avaliações.

Reconhecido pelo valor que acrescenta nas soluções que propõe aos seus parceiros de negócio, em entrevista ao Brainsre News Portugal, João Fonseca explica qual a importância das avaliações imobiliárias e defende a existência de uma maior fiscalização das avaliações realizadas.

Enquanto membro do RICS e dada a importância da Avaliação Imobiliária, como a considera nos dias de hoje e qual o seu futuro?

A avaliação imobiliária concorre para que a sociedade seja mais justa e transparente. É uma disciplina transversal a muitas áreas e com forte impacto na vida das pessoas. Deste modo, é necessário que os técnicos que exerçam a atividade estejam preparados técnica e eticamente.

Noto com muita satisfação que os Clientes estão mais exigentes e que os Peritos Avaliadores estão mais atentos a estes pressupostos fundamentais da profissão, investindo na sua formação e na acreditação em organizações internacionais, como o RICS ou o TEGoVA.

Este comportamento a que se tem vindo a assistir deixa-me muito tranquilo quanto à qualidade do futuro da avaliação imobiliária. Tem também uma dupla vertente, que é preparar melhor os técnicos da avaliação imobiliária para os novos desafios como, por exemplo, os AVM ou a diminuição do trabalho para o crédito hipotecário, que será inevitável.

Em que medida julga que serão necessárias reformas na avaliação imobiliária?

A avaliação imobiliária abarca várias áreas, cada uma com as suas especificidades. Temos as avaliações para o sistema financeiro, temos as avaliações com legislação específica, como o Código das Expropriações, e temos todas as outras que não se encaixam nas duas anteriores.

As avaliações que se encontram fora do sistema financeiro estão mais protegidas, porque têm uma atualização permanente por parte das entidades que emitem as normas internacionais. Por exemplo, as IVS foram recentemente atualizadas e todos os avaliadores que as utilizam, nomeadamente os avaliadores registados do RICS, têm de as aplicar. Isso dá uma garantia de contínua atualização dos conceitos técnicos.

Apesar desta constatação, deveria existir uma maior fiscalização das avaliações realizadas. Que eu tenha conhecimento, só os avaliadores registados no RICS são objeto de auditorias exigentes, que em caso de deteção de anomalias graves, pode levar à expulsão do Membro RICS.

No que diz respeito às avaliações para o setor financeiro, as reformas serão mais cirúrgicas do que estruturais. Deveria existir uma maior clareza quanto às bases de valor a aplicar, valor de mercado ou “valor do bem hipotecado”, e também deveria obrigar a banca, as empresas de avaliação e os avaliadores a utilizarem preferencialmente as abordagens de mercado e de rendimento, deixando a abordagem de custo para os imóveis especializados ou raramente transacionáveis.

O verdadeiro “calcanhar de Aquiles” da avaliação imobiliária é o Código das Expropriações. É uma legislação obsoleta, que prejudica na maioria das vezes as entidades expropriadas, que além de serem vítimas do próprio código, também são vítimas da morosidade da justiça, o que beneficia as entidades expropriantes.

Vejo também como muito interessante a criação de uma entidade que regulasse toda a profissão e que defendesse o Consumidor, nomeadamente da proliferação de locais na internet que supostamente fazem a avaliação de imóveis.

De que forma a crise pandémica provocou alterações no mercado e nos vários segmentos?

No mercado residencial, quando a pandemia estava a propagar-se e fomos obrigados a ficar em casa, temia-se que fossem vendidas menos casas e menos apartamentos. Tal não aconteceu, as vendas aceleraram e até houve mercados que começaram a ser vistos com outros olhos. Foi dada mais importância aos espaços verdes e as moradias começaram a ter mais interesse para os compradores residenciais. Depois temia-se que com o fim das moratórias o mercado ficasse abalado. Tal também não aconteceu.

Nos escritórios terá havido momentos de incerteza, com a perspetiva de o teletrabalho passar a ser dominante e as empresas não tivessem tanta necessidade de espaço, mas esse tempo já passou e o mercado tomou a normalidade.

A pandemia trouxe um incremento muito grande no comércio eletrónico, que teve um impacto positivo na área de armazenagem e logística, com a procura de espaços “Last mile”.

O retalho terá sido o grande perdedor, com muitos lojistas a não conseguirem sobreviver com os seus negócios, colocando muitos espaços no mercado, nomeadamente em áreas de menor potencial comercial.

Quais são os segmentos do mercado imobiliário que considera atualmente mais atrativos?

Eu acredito que existe atratividade na maior parte dos segmentos de mercado, com exceção, talvez, do retalho. Este segmento é muito pressionado pelas grandes superfícies comerciais e pelo comércio eletrónico, pelo que só negócios de nicho ou alavancados por externalidades, como o turismo, terão sucesso.

O mercado de escritórios não foi prejudicado pela pandemia e existe falta de oferta, nomeadamente de espaços com certificações de qualidade ambiental. Na armazenagem e logística há falta de terrenos para promoção imobiliária e a oferta de espaços industriais também é deficiente. Portanto, estes dois segmentos continuarão atrativos.

O mercado residencial é prejudicado pela atual conjuntura económica, com aumento das taxas de juro e também da inflação, mas o facto é que continuam a faltar habitações no mercado. Estou convencido que a promoção imobiliária continuará, pese a falta de terrenos, ainda que a um ritmo mais lento. Os promotores imobiliários tentarão encontrar alternativas para que possam continuar a investir e a oferecer produto que possa ser adquirido pela classe média. A redução dos espaços poderá ser uma alternativa.

Qual o impacto que as taxas de juro e a inflação trazem para as avaliações?

Responder a esta questão é um pouco adivinhar o futuro. Em paralelo com o aumento das taxas de juro e da inflação, verificamos também um aumento do custo da mão-de-obra, que além disso, é escassa. Esta combinação de fatores, por si só, implicariam um aumento do valor dos imóveis, com consequências no valor das avaliações.

No entanto, o aumento das taxas de juro e consequente aumento do custo de financiamento, trarão mais dificuldades à aquisição de imóveis, adivinhando-se uma diminuição da procura e do número de transações.

Na promoção imobiliária existe também um contrassenso. Por um lado, há falta de terrenos para promoção, por outro lado, os investidores serão mais adversos ao risco, porque o dinheiro vai ficar mais caro.

É no meio deste turbilhão que a avaliação imobiliária vai trabalhar.

Como perspetiva o mercado imobiliário a médio/longo prazo?

Para se investir no mercado imobiliário, além de capital, é preciso ter paciência. O investimento imobiliário é uma maratona, não é uma corrida de pista. Quero com isto dizer que o mercado imobiliário tem ciclos e novas oportunidades, pelo que devemos saber aproveitá-los.

Os promotores imobiliários estão cada vez mais capacitados do ponto de vista estratégico e também do ponto de vista económico e financeiro. Deste modo, conseguem resistir melhor às alterações que vão ocorrendo no mercado, procurando novas oportunidades. Veja-se o que estar a ocorrer, por exemplo, no mercado das residências de estudantes, até há pouco tempo sem grande expressão e que agora está pujante. Diria que do ponto de vista da oferta não teremos razões para temermos grandes impactos negativos.

Será sempre um mercado mais seguro que outros mercados de investimento alternativos e servirá de refúgio contra a inflação. Os produtos de qualidade serão sempre escoados.

O meu receio mesmo é do lado da procura. Cada vez mais a classe média é esmagada com impostos, alguns dos quais escondidos e atrás de razões aparentemente razoáveis, e os seus rendimentos, em termos reais, diminuem. Assisto com muita preocupação a que um casal que seja considerado classe média não tenha rendimentos suficientes para pagar uma prestação de crédito à habitação, acumulada com a prestação do seu carro.

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